A gordura no fígado é o termo popular para a situação clínica conhecida por esteatose hepática (mais especificamente abordaremos a doença hepática gordurosa não alcoólica). Este é um outro assunto que se tornou muito debatido nos últimos anos, tanto pela área de hepatologia (especialidade que estuda desordens do fígado) quanto pela endocrinologia. Isto porque pessoas com excesso de peso, principalmente aquelas que acumulam mais gordura abdominal (ou visceral), apresentam um risco elevado de acumular gordura nas células do fígado. Com a epidemia de obesidade vista nas últimas décadas, houve um aumento concomitante nos casos de esteatose hepática.
Mas não apenas a obesidade se relaciona a esta condição clínica. O diabetes, o aumento nos níveis de colesterol, infecção pelo vírus HIV, uso de medicamentos como corticóides, anticoncepcionais que contenham estrógeno, pós-cirurgia bariátrica, desnutrição e qualquer situação de emagrecimento rápido também promovem o acúmulo de gordura no fígado (nestes últimos casos, há uma grande quantidade de gordura liberada pelas células adiposas que, obrigatoriamente deverá passar pelo fígado para ser convertida em fonte de energia utilizável pelas células do organismo, daí o seu acúmulo nestas situações).
Talvez você mesmo ou alguém próximo já experimentou a situação de se deparar com um achado ocasional de gordura no fígado ao fazer um exame de imagem como ultrassom ou tomografia computadorizada de abdômen. E, a depender do médico que avaliou este exame, pode ser que este diagnóstico passe batido, seja por ser algo extremamente comum nos dias de hoje ou simplesmente por desconhecimento do profissional de saúde do que isto realmente significa, o que nos leva a seguinte constatação:
A gordura no fígado é algo potencialmente grave e não estamos lidando com esta doença da forma correta
Uma doença? Eu não pensei que fosse algo tão sério assim! É o que sempre escuto no consultório quase todos os dias, um semblante de surpresa quando alerto sobre os riscos que a gordura no fígado pode trazer.
E qual o risco?
Estudos mostram que cerca de 76% dos obesos e 50% dos diabéticos apresentam doença hepática gordurosa não alcoólica, detectados por exame de imagem, mas o percentual é ainda maior se a avaliação for feita por biópsia do fígado. Dos que possuem gordura no fígado, de 18,5% a 37% apresentarão esteato-hepatite.
A esteato-hepatite é o passo seguinte após o acúmulo de gordura no fígado. Significa um estado de inflamação crônica do fígado, que leva a disfunção e destruição das células deste órgão. O tecido adiposo produz substâncias inflamatórias tóxicas para o fígado e, além disso, o próprio acúmulo de gordura dentro das células do fígado leva a formação de espécies reativas de oxigênio (uma espécie de radical livre), que lesiona e destrói estas células. Durante este processo inflamatório, notamos aumento no sangue de marcadores de lesão no fígado, como AST (TGO), ALT (TGP), GGT, ferritina, diminuição dos níveis de albumina, de fatores de coagulação, etc. Em alguns casos está indicada a biópsia do fígado para termos uma noção mais precisa do grau de lesão do fígado e melhorarmos o tratamento. Na biópsia, o tipo de lesão provocada pela gordura no fígado é bastante semelhante a ocasionada pelo álcool.
Após um determinado período de esteato-hepatite, cerca de 5,8% dos indivíduos que possuem gordura no fígado irão evoluir para cirrose e insuficiência hepática, que é o estágio final deste processo de lesão no órgão, em que uma grande parte do tecido sadio do mesmo é substituído por um tecido cicatricial que não tem a mesma função das células do fígado.
Nos casos de cirrose mais grave, o indivíduo passa a apresentar as manifestações clínicas típicas da insuficiência hepática, tais como: icterícia (amarelamento da pele, olhos e mucosas), hemorragias intestinais, edema (inchaço pelo corpo), ascite (acúmulo de líquido em grande quantidade no abdômen), alteração no nível de consciência e coma, maior risco de evolução para câncer de fígado e óbito em alguns casos. Neste estágio, somente o transplante de fígado poderá resolver em definitivo este quadro clínico.
Nos países ocidentais, hoje o acúmulo de gordura no fígado é a doença mais comum deste órgão e a terceira principal doença indicadora de transplante de fígado, ficando apenas atrás da doença hepática ligada ao alcoolismo e das hepatites virais. Portanto é algo extremamente comum e que pode estar mais próximo de você do que imagina.
E o que eu posso fazer para reduzir os níveis de gordura no fígado?
Em primeiro lugar, recomenda-se mudança de estilo de vida dos portadores de gordura no fígado. Nos que estão acima do peso, sugere-se perda de pelo menos 10% do peso em um intervalo de 6 meses (evitar perdas rápidas de peso para não piorar o acúmulo de gordura e inflamação, como dito antes); realização de atividades físicas, incluindo atividades de resistência física (musculação, pilates), de 45 a 60 minutos ao dia, 3 vezes por semana; evitar bebidas alcoólicas, frituras, refrigerantes e alimentos ricos em frutose como sucos de uva, manga, laranja, mel, etc (o excesso de frutose está relacionado a elevação dos níveis de triglicérides que se acumularão no fígado) e incentivar o consumo de vegetais, frutas em quantidade moderada, uso de alimentos integrais, carnes magras e gordura mono e poli-insaturada (encontrada no azeite extra-virgem, castanhas, avelãs, etc).
Pacientes submetidos a cirurgia bariátrica devem ser acompanhados de perto após o procedimento. Muitos ao começar a perceber que estão atingindo as metas de emagrecimento desaparecem dos consultórios médicos e aí começam os problemas.
Importante também relatar ao seu médico o uso de medicações e doenças que possam estar relacionadas com o acúmulo de gordura no fígado, como também já dissemos atrás.
Finalmente, em casos selecionados, utilizamos medicações como a metformina, vitamina E, pioglitazona, liraglutide, etc. Entretanto, a indicação de medicamentos sempre deve ser individualizada e feita por médico capacitado em tratar esta doença. Importante ressaltar que antes de tratarmos a esteatose hepática, o médico deverá ter investigado e excluído outras situações clínicas que provocam hepatite (alcoolismo, infecções pelos vírus da hepatite B e C, hepatite auto-imune, uso de medicamentos tóxicos para o fígado, hemocromatose, etc).
Então pessoal, nossa mensagem final é que não podemos mais ignorar esta doença, sob o risco de se negligenciada, termos que pagar um preço muito alto no futuro!
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